Venho aqui cumprir a promessa de relatar os eventos da semana passada, conforme explanado no post anterior:
Durante o mês de agosto eu estava de férias da residência médica que faço em Florianópolis. Vim para Criciúma, e felizmente já estava perto da família, namorada e amigos.
Na quinta feira, dia 20, acordei por volta das 07:00h. Senti uma leve tontura, ao levantar da cama improvisada na sala (o quarto está em reforma, pois levei algumas coisas para Florianópolis), porém nao me preocupei, pois havia jogado video-game até tarde em uma televisão de 47´, o que pode causar estes sintomas. Meu pai logo veio me avisar que naquele dia ele faria várias endoscopias no Hospital São José (à 2 quadras de casa), convidando-me para acompanhá-lo. Este foi um hábito meu durante a faculdade e residência de cirurgia geral, e nas férias e finais de semana também, tanto que pretendo fazer uma especialização na área.
Porém, relatei o sintoma de tontura, e o pai, preocupado, pediu que eu ficasse em casa com minha mãe, já que ela estava com um dos braços imobilizado após um procedimento ortopédico.
Então sentei para tomar café da manha, e durante as conversas e torradas com manteiga, coloquei a mão na região logo acima da clavícula esquerda. Não sei ainda porque o fiz (talvez para mexer em alguma espinha que estava ali), mas lembro perfeitamente o que meus dedos tocaram: um caroço, massa, linfonodo, "íngua", "bolota"... tumor. E aí recordei...
... que há aproximadamente 10 dias, eu havia palpado o mesmo linfonodo supraclavicular esquerdo durante um plantão no SAMU. É óbvio que, estando ocupado com as coisas do trabalho, esqueci por completo o evento, mas prontamente recordei a preocupação que já havia se instalando naquela noite. Desde então fiquei em alerta, como se uma buzina tocasse dentro de minha cabeça, e sem chave para desligar. Terminei o café, minha mãe perguntou se a tontura havia passado e eu confirmei (se ainda havia alguma, era por outro motivo), então fui ao hospital.
Na entrada pelo pronto socorro, comprimentei alguns conhecidos, já com um gosto amargo na boca, sempre relutando em dizer que estava tudo bem, que estava fazendo outra residência, que daqui a 1 ano e meio estaria de volta a Criciúma para trabalhar... pois agora eu alimentava uma incerteza quanto à tudo que já houvesse sido planejado.
Cheguei na sala de endoscopia, meu pai estava terminando um laudo no computador, então resolvi esperar que ele começasse o próximo exame. Claro que ele tambem perguntou sobre minha vertigem daquela manhã, e eu tranquilizei ele, "fiquei até tarde na televisão", etc. Quando terminou aquele exame (cheguei a ajudá-lo no procedimento, como eu já fazia desde a faculdade), mostrei pra ele o achado pouco antes. Ele, sentado em sua cadeira, eu de pé... ele logo sentiu a massa, pois, olhando no espelho, até mesmo uma assimetria havia, e fez uma cara que eu não vou conseguir esquecer. E também disse "ôô meu filho..." com uma entonação de quem sabe que você não é culpado pelo que está acontecendo, mas parece dizer "o que é que você foi me aranjar". Ainda haviam muitos exames para ele fazer, os pacientes esperando... então logo meu pai solicitou um Rx tórax e um ultrasom de região cervical e tireóide, e eu fui atrás de fazer os exames.
Quando saí daquela sala, já sabia o que estava por vir. Minha principal hipótese diagnóstica, que acabou sendo confirmada por todos exames, já estava fixa, era como uma palavra sendo repetida incontáveis vezes, por mais que eu quisesse diferente. Dirigi-me diretamente ao hospital da Unimed, porém os médicos responsáveis pelo exame não estavam lá no momento, e é lógico que eu não iria esperar nenhum segundo pelos rsultados. Voltei para a rua do HSJ, pois ao lado fica uma clínica de radiologia. Aós falar com a recepcionista, identifiquei-me como "Dr. João Vicente Castelan, cirurgião", apesar de que ainda não me sinto confortável com esta denominação. Mas a situação exigia. Fui diretamente à sala de laudos, onde se encontravam 4 ou 5 radiologistas, sendo que falei com uma médica que sempre pensei ser muito compentente. Todos ali são muito competentes, porém, é comum termos mais afinidade com este ou aquele. Ela providenciou as condições para que eu fizesse o exame, sendo que o 1º foi o Rx de tórax. Quando este ficou pronto, eu estava junto do outro radiologista, um dos mais novos, na sala de laudo, aguardando o exame.
Assim que o técnico colocou a "chapa" no negatoscópio, tudo na minha volta parou. O tempo parou. O sol apagou. Os sons se distorceram. E comecei a sentir uma corda roçar em meu pescoço. Como eu disse, já estava esperando algo "não muito bom", mas mesmo assim... acho que ninguém estaria preparado.
"Caralho, que merda é essa cara" deve ter sido a frase que eu falei. O Rx mostrava, uma massa no mediastino (região central do tórax, onde encontra-se coração e grandes vasos, principalmente),o que, junto com o linfonodo que palpei, não deixava dúvidas de que eu estava com câncer. Pelo menos para mim!
Acabei não colocando antes, quando eu cheguei nesta clínica para fazer o Rx, este médico que estava comigo perguntou "o que foi, está gripado também?". Em época de gripe A isso pode parecer óbvio. Mas assim que eu mostrei pra ele a tumoração no meu pescoço, ele fez uma cara de precocupado que só não foi igual à do meu pai, mas também me condenava.
A primeira frase que ele disse ao ver o Rx foi "Nós vamos ter que te tomografar, cara"
Daí pra frente as coisas parecem muito rapidas em minhas cabeça: fiz o ultrassom, que confirmou a presença daquele e outros linfonodos aumentados em direção ao tórax. Logo foi agendada a tomografia ("de corpo inteiro") para o dia seguinte, pois eu precisei fazer o chamado preparo anti-alérgico.
Após os exames liguei para o meu pai (que já sabia dos resultados por intermédio do radiologista) e combinamos de no encontrar em seu consutório. Esperei na sala dele, e com alguma tristeza olhei para a sala ao lado, construída na última reforma, para que eu a utilizasse após terminar a 2ª especialização e voltar para Criciúma.
Ele chegou meio vermelho, alguns cabelos em pé, e logo colocou a mão em meu ombro e disse "fica tranquilo filho, vai dar tudo certo" ou algo do tipo. Cancelou todas as consultas, cirurgias, etc. Ah, também cancelou a janta que seria oferecida no nosso prédio naquela noite, para vários colegas de trabalho.
Conversamos um pouco, eu não sabia muito o que dizer. Lembro que comentei "a gente se pergunta "porque?" ", mas o resto fugiu da lembrança... Fomos para casa. Minha mãe não estava, mas logo chegou. Me preocupei muito com a saúde dela. Entramos no escritório assim que ela chegou, e quando meu pai explicou o acontecido, ela logo respondeu com algo positivo, tipo "Não tem problema", "vai dar tudo certo", mas é óbvio que aquilo era uma armadura que ela usava... e depois de tirar, as feridas iriam doer mais do que no momento em que acontecem.
Liquei para minha namorada, pedi que ela viesse até minha casa, pois precisava conversar. Imagino que ista a tenha deixada muito angustiada, pois não especifiquei a natureza do assunto (saude, relacionamento, até mesmo "bom ou ruim").
Fiquei na janela esperando por ela: era um dia bonito, céu limpo, pouco barulho na rua, alguns carro passavam sem pressa nenhuma. Na minha cabeça, a matemática me aterrorizava: "tenho 26; + 5 são 31 (é pouco), + 10 são 36 (também é pouco)... será que era isso?
Ela chegou, e a cena com minha mãe repetiu-se; só que após as explicações médicas, o rosto dela era grave, triste... Fomo deixados a sós, ela derramou algumas lágrimas (com muitas outras atrás delas esperando para explodir). "Não era pra você ficar dodói" foi o que ela disse, sempre com uma voz macia e carinhosa, que parecia afagar até minha alma. Porém, logo meu pai explicou sobre o linfoma, grandes chances de cura, etc... e minha querida ficou mais tranquilo.
Eu ainda estava angustiado, com o peito pressionado por algumas toneladas de dúvidas, mas isso fica para o próximo post...
Um comentário:
Oi João! Saudades e torcendo por ti! Abraço, luana.
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